No dia 21 de maio, a professora mestra Simone Shuba participou do Projeto de Pesquisa “Estúdio Fisções – Princípios e Práticas Para a Atuação Cênica Viva”. O evento foi realizado pelo Grupo de Pesquisa Laboratório de Estudos Vocais, Cênicos e Musicais da UNIRIO e pelo Centro Latino-Americano de Pesquisa Stanislávski.

O tema da fala de Shuba, Stanislávski: Afetos na Vida e na Arte, teve relação direta com sua pesquisa de doutorado: a Memória Afetiva. Assim, ela começou dizendo que o próprio mestre russo declarou, posteriormente, que este seria o elemento mais importante de seu Sistema de atuação. E toda a sua apresentação foi construída de modo que explicou o porquê desta afirmação de Stanislávski.

O Sistema Stanislávski

Primeiramente, Shuba expôs alguns importantes pressupostos relacionados à cultura russa. De acordo com a pesquisadora, em outras palavras, a arte é um instrumento de desenvolvimento humano. E, nesse sentido, um meio de aprendizagem, de reflexão e de transformação da realidade. Pode-se dizer ainda que, na Rússia, a vida é o ponto de partida e de chegada da arte. Portanto, vida e arte estão intimamente relacionadas.

Como resultado, a contemplação e a experiência ocupam um lugar de destaque na formação do artista russo. Pois quanto maior a percepção da vida, maior a sensibilidade da memória e da imaginação. Assim como, Shuba esclareceu uma das citações de Stanislávski, segundo a qual não existe o Sistema, existe a natureza. Ou seja, seu Sistema faz parte do ser humano, da vida.

A criação como composição

O essencial, para Stanislávski, era estimular a criação. Mas o que significava criar para ele? A resposta de Shuba foi: “composição da matéria”. Bem como a natureza, cujos elementos se arranjam, se estruturam e se organizam para formar o mundo natural, também é a arte. Um exemplo disso, retirado do próprio Stanislávski e citado por Shuba, seria o da planta do campo e da cultivada em estufa.

Nestes casos, enquanto “uma cresceu em liberdade; a outra é cuidadosamente cultivada pela imaginação artística e pelo gosto refinado no ambiente protegido pela beleza.” Ambas, no entanto, são plantas e, como tal, fazem parte da natureza, ou seja, estão vivas. Isso é a criação para Stanislávski: vida composta da forma que desejamos. Logo, a necessidade de se contemplar a natureza se torna autoevidente. O que, por sua, se conecta à memória, já que é ela que armazena as nossas experiências.

A importância de Ribot

As motivações de pesquisa de Stanislávski estavam relacionadas à observação dos atores de seu tempo, enraizados em hábitos de atuação que os deixam mortos. E a busca pela vida cênica o levou ao encontro com a obra do psicólogo francês Théodule-Armand Ribot (1839-1916). A Memória Afetiva teve forte influência das ideias do francês, como o próprio termo em questão.

Para Ribot existem diferentes memórias, como a voluntária. Este é o caso da recuperação intencional de um fato vivido. Mas, neste caso, não se trata do resgate da emoção original, e sim, das circunstâncias que a engendraram. E, ao reviver tais circunstâncias, as emoções por elas geradas seriam retomadas, mas percebidas e sentidas de uma outra forma, nova. Há ainda a memória espontânea, quando algo nos afeta e causa uma emoção, mas não identificamos o porquê de determinada reação.

A Memória Afetiva

No que concerne à Memória Afetiva, ela seria o se deixar afetar por algo que não necessariamente aconteceu. Nosso psicofísico cria suas próprias conexões entre o passado e presente, e estas podem ser múltiplas e diversas. Trabalhar a Memória Afetiva significa, então, se colocar em ação para despertar uma memória inconsciente, que vai ser resgatada para o consciente, para o corpo. Por isso sua capacidade de ligar o consciente e inconsciente, onde ficam retidos os nossos afetos.

Porém, há que se considerar que a memória não registra tudo, como já foi cientificamente provado! Quando nos lembramos de algo, nossa imaginação age no sentido de preencher as lacunas do que foi propositalmente esquecido ou não registrado. Ou seja, a memória, mesmo a mais fiel, é sempre uma recriação da imaginação. O que só reforça o fato de que a Memória Afetiva não é simplesmente se lembrar de algo que já aconteceu.

Imaginação e Ação

Após uma rica exposição de sua pesquisa, Simone Shuba retornou ao início de sua fala. E apresentou duas hipóteses para a declaração do mestre russo sobre a Memória Afetiva ser o elemento mais importante de seu Sistema. A primeira seria a forte ligação existente entre a memória e a imaginação, importantíssima para Stanislávski.

A outra hipótese estaria relacionada ao inconsciente. A capacidade de acessá-lo foi um dos principais objetivos de Stanislávski em suas investigações artísticas e pedagógicas. E a Memória Afetiva, para Shuba, funcionaria como uma chave para desbloqueá-lo.

Contudo, Shuba alertou que, para este processo acontecer, a ferramenta do ator deve ser a ação. Ou seja, é por meio dela que se dá o trabalho de pesquisa e investigação no campo da atuação. Portanto, a ação, como princípio da Memória Afetiva, se encarregará de conectar o consciente ao inconsciente.

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